Escrito de Dom Orani João Tempesta (Arcebispo Arquidiocese do Rio de Janeiro) sobre o rosário.
Este mês das missões é também denominado o mês do Rosário. É um ato de piedade importante dentro da tradição da Igreja e que, assim como começou sua difusão, também hoje necessitamos de rezar para vencer os combates de cada dia. A devoção à Virgem do Rosário remonta ao século XIII, aproximadamente.
Foi muito difundida pelos padres dominicanos. A palavra vem do costume da idade Média da oferta de coroas de flores às autoridades. Os cristãos adotaram esse costume oferecendo a Maria a tríplice coroa de rosas, hoje acrescentada de
mais uma. É uma devoção de cunho eminentemente popular já que a recitação do rosário é, na verdade, uma catequese, chamada de evangelho dos pobres, pois contemplam-se os principais mistérios da fé que estão nas escrituras e, normalmente, as pessoas sabem de cor já que no passado o analfabetismo impunha restrições aos textos escritos.
Em 1571, no levante naval de Lepanto, a vitória das frotas cristãs contra os turcos foi atribuída a Nossa Senhora do Rosário. Como resultado, o Papa Pio V estabeleceu liturgicamente a festa de Nossa Senhora da Vitória, que depois foi mudada pelo Papa Gregório XIII em 1573 para festa da Virgem do Rosário, inicialmente no primeiro domingo de outubro, que depois de 1913, foi transferida para o dia 7. O seu culto foi ainda mais difundido após as aparições de Lourdes, onde a Virgem recomendava a Bernadete a prática da oração, através da recitação do rosário.
A comemoração deste mês temático é um convite para que todos possam refletir sobre os mistérios de Cristo, acompanhado da Virgem Maria, que foi associada de forma especial à Sua encarnação, paixão e glória da ressurreição. Durante muito tempo foi essa oração simples e profunda que sustentou a vida de fé de nosso povo. Hoje a grande difusão do “terço dos homens” renova e inova essa prática antiga e alimenta a oração contemplativa e a vida de nosso povo.
O rosário também tem sua origem na oração judaica, onde se rezava recitando cotidianamente os salmos de uma forma cadenciada. Esta maneira de rezar foi passada às primeiras comunidades cristãs nascentes. No início eram rezados os 150 salmos diariamente, prática que se estendeu por uma semana e hoje está estendida por um mês. Quando se iniciaram as ordens missionárias, a oração monástica dos 150 salmos foi substituída pela oração do rosário, pois transportar os grandes livros dos salmos tornava impossível a locomoção para as missões. Mais tarde se introduziu o “breviário” para facilitar os que tinham que locomover muito.
Temos também notícias que já no século IX de que na Irlanda havia o hábito de amarrar nós a uma corda para contar, em vez de salmos, as Aves Maria. Essa prática devocional a Nossa Senhora foi depois espalhada pela Europa, e com grande crescimento ao longo dos anos seguintes. O Santo Padre Leão XIII escreveu documentos riquíssimos sobre o Rosário, dentre eles a sua Encíclica Supremi officio, de 01 de setembro de 1883. Na ladainha dos Santos incluiu a menção a Nossa Senhora do Rosário. Ele recebeu o título de Papa do Rosário. João Paulo II, por sua vez, publica em 16 de outubro de 2002, a Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae. Nela o Papa acrescenta os Mistérios da Luz. Após o dia 11 de setembro, na abertura do Sínodo dos Bispos daquele ano de 2001, o Papa afirma categoricamente: “Eu desejo confiar à grande causa da Paz à oração do Rosário. É cada vez mais necessário recorrermos ao poder da oração. Nesta perspectiva, o Rosário torna-se fundamental. Ele constrói a paz, porque apela para a graça de Deus, semeia o bem, a partir do qual podemos esperar o fruto da justiça e da solidariedade para a comunidade e para a vida pessoal.”
O rosário é antes de tudo uma oração contemplativa, um caminho de contemplação. Ele nos educa à contemplação dos mistérios de Cristo, sendo uma verdadeira pedagogia para a santificação da vida. O Papa Paulo VI, em sua Exortação Apostólica sobre Maria (Marialis cultus), recorda a importância da contemplação dos mistérios durante a oração do rosário (n. 47). Neste sentido Paulo VI e a Igreja, querem afirmar o sentido autêntico, genuíno desta oração mariana, que nunca deixa de ser um meditar sobre os mistérios da vida do Senhor, visto através dos olhos de Maria, que estava mais perto Dele. Assim, as riquezas insondáveis desta meditação são reveladas. A afirmação do rosário como oração contemplativa conseguiu até mesmo entrar para a linguagem popular: “hoje vamos contemplar...”. A nossa vida cristã, assim, torna-se mais orante, mais contemplativa, mais mistérica. Assimila-se no interior de nossos corações toda a vida de Cristo. Entra-se na comunhão do Pai, por Cristo, no Espírito. Ajuda-nos a aprofundar a nossa relação com Deus e nossos sentimentos de amor a Cristo e a Maria.
O rosário é uma escola de fé, uma comunhão de vida com Cristo, o Senhor na vida do cristão, que deve, sem dúvida, impulsionar o devoto à missão apostólica em favor da Igreja de Cristo. É a missionariedade que nasce do Rosário. A contemplação do rosário leva-nos a entrar no grande mistério da vinda de Jesus, que é um olhar, por certo, divino sobre o mundo e sua realidade. Com a contemplação somos chamados a descer a montanha da transfiguração, tal como Jesus o fez com os apóstolos, e olharmos o mundo com os mesmos sentimentos de Cristo. Olharmos o homem e a realidade que o cerca, e o que esta em acordo ou em desacordo com a vontade do Senhor. Estar com Deus significa estar com o homem.
O rosário nos traz o olhar de Mãe, que só quer o bem de seus filhos, o seu crescimento, o seu desenvolvimento interior e também de sua realização pessoal. Por isso, o rosário deve ser meditado na intenção especial da Igreja de hoje, do mundo e também da realidade social, política e econômica que nos envolve. É assim, poderíamos afirmar a dimensão cósmica da recitação do rosário. E lembrando-nos do Filho não temos como não lembrar a Mãe.
O rosário está repleto de alusões à Virgem Maria. Indica-nos uma Maria contemplativa conosco, que tudo guardava e meditava em seu coração (Lc 2, 19.51). Ela é uma mulher da meditação, com uma qualidade de vida contemplativa. Ela é uma mulher de oração e com a Igreja, como a vemos no cenáculo com os Apóstolos. Uma verdadeira oração eclesial cuja dimensão devemos nos ater. Peçamos, pois, a Nossa Senhora do Rosário que possa nos ajudar em nossa caminhada de Igreja. Que esta, contemplando sempre os mistérios do Senhor, possa ser instrumento de Sua graça sobre todos os homens e mulheres de nossa querida Arquidiocese do Rio de Janeiro.
Dom Orani João Tempesta
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